Meu nome é Maria Meireles, mas eu gostava mesmo quando me chamavam de Catarina

Histórias da vida escolar não faltam em poucas horas de conversa com a simpática Dona Dira, como é conhecida na Vila de Palmas. Um apelido que não tem nada a ver com o nome de registro. “Meu nome é Maria Meireles, mas eu gostava mesmo quando me chamavam de Catarina”, diz a professora aposentada, de 95 anos de idade. Ela explica: “Antes da reforma da língua, meu nome era Maria Catarina da Silva, sobrenome do meu pai. Mas no meu registro oficial, não tinha o Catarina. Aí quando veio a reforma, tive que mudar para entrar o nome da minha mãe verdadeira, e me tornei Maria Meireles Silva. Com um L só. Porque da família mesmo era com dois Ls.” Essa confusão no nome se explica. Para dar aulas na rede pública estadual, teve que atualizar os documentos à luz do Sistema Ortográfico Brasileiro de 1955. E adotando o sobrenome da mãe, da família do pintor Victor Meirelles, mas agora atualizada “com um L só” e sem o nome do meio que tanto gostava: Catarina.
Mas e o apelido Dira, de onde vem?
“Meu pai ficou viúvo e não sabia fazer comida direito. Aí fez um pirão de feijão muito duro pra eu comer, eu era pequena – até hoje eu sou pequeninha – e eu disse: pirão dira gó. E ele disse: barriga cheia gó. Quer comer come, não quer, não come. E aí ficou “pirão dira, vem cá pirão dira”. As tias foram lá em casa e reclamaram: vocês estão colocando apelido na menina, pirão dirá? Que coisa feia! Então tira o pirão. E aí ficou Dira. Na escola as minhas amigas achavam que meu nome era Jandira. Meu marido me chamava de Dira. Mas não tem nada a ver com meu nome. Mesmo assim todo mundo continuou me chamando de Dira.”
Vida dedicada à educação
Dona Dira não é natural de Governador Celso Ramos mas vive há décadas aqui. Nascida em Biguaçu, no fim dos anos 1940 começou a trabalhar dando aulas no interior, desde os 16 anos de idade, para ajudar na renda da família. Começou a lecionar na Capela de Louro (hoje Antônio Carlos), turma multisseriada. Lá aprendeu um pouquinho de alemão, principalmente as cantorias.
Lá, segundo ela, foi difícil, porque além da viagem de ônibus, tinha uma caminhada de quatro horas. E por isso acabava ficando o mês todo lá, na casa de uma família onde pagava pensão, e só voltava para Biguaçu uma vez por mês para receber o salário.
Depois, foi dar aulas no Amaral, em Alto Biguaçu. Uma escola construída pelo agricultor João Muniz, analfabeto e que não queria ver os filhos e netos na mesma situação. Lá trabalhou quatro anos. “Durante o dia eu dava aula e depois eu ajudava na roça, na plantação e na torra de café, na limpeza da casa. Tinha um rio atrás de casa, lavava roupa no rio, e banho era de banheira, dentro de casa. Não tinha energia elétrica, era lamparina de pomboca”. Essa casinha que serviu de escola até hoje existe.
Depois dessas experiências com escolas rurais – ainda teve um período no interior de Camboriú –, Dira tornou-se professora de séries iniciais em definitivo na Escola Básica Rosa Torres de Miranda, em São José, e lá trabalhou por 27 anos até se aposentar. Ficou conhecida pelo jeito diferente de ensinar, usando música e elementos culturais para a alfabetização. Enfrentou inclusive dirigentes do período da ditadura, que questionavam seu estilo. “ O inspetor ia lá, e algumas diretoras também. Eu criei um método de “silabação”, usava cantiga de roda, os alunos ficavam tudo quietinhos”. Mesmo com pressão para mudar o jeito de ensinar a pequena Maria Meireles manteve-se firme e forte. Alguns de seus alunos se tornaram pessoas importantes da política catarinense e das forças armadas.
Relação com Ganchos
Desde pequena Dira sempre amou praia. E depois que casou e teve seus quatro filhos, passou a vir com frequência para as praias da já Governador Celso Ramos. Em novembro de 2022, ela recebeu a condecoração de Mulher Gancheira, pela municipalidade. “Durante os 32 anos que dei aula, nunca recebi uma homenagem. Teve um tempo que ouvi uns boatos que eu ia ganhar uma medalha. Mas a Maria da Glória Veríssimo estava doente e aí deram a medalha pra ela, e logo depois ela morreu. E nunca mais”. Em GCR, ficou conhecida por dar aula para algumas pessoas, adultas já, na sua casa, de graça. “Ganhava peixe deles, era muito bom. Eu adoro peixe. Com pirão d’água, meu prato preferido”.
Dona Dira adora conversar. Agora pela idade avançada e com a visão muito comprometida, mal sai de casa. Mas adora receber visita e conversar.
Curiosidades que o texto trouxe:

Mudanças na ortografia: A Língua Portuguesa passou por várias mudanças ortográficas ao longo do último século, principalmente depois de 1931, quando foi aprovado o 1º acordo ortográfico entre Brasil e Portugal.

Pintor Victor Meirelles – Natural da antiga vila de Nossa Senhora do Desterro (hoje Florianópolis), foi pintor e professor no Brasil Império e chegou a estudar em Roma e Paris. Um dos seus trabalhos mais conhecidos é a obra Primeira Missa no Brasil, que está no Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro. No centro de Florianópolis, a casa onde o pintor cresceu é hoje um museu que leva o seu nome.
Linda! Quase um século de boas histórias e um terço dedicado a educação. Quanto aos filhos a dedicação e pra sempre. Muito orgulhosa da senhora mãe. Parabéns querida!